Novembro Negro: um mês de reflexão e ação

09/12/24

De Zumbi ao dia da consciência negra. Saiba a origem da celebração, sua importância e os desafios na luta por igualdade racial no Brasil.

O Novembro Negro, marcado pelo Dia da Consciência Negra em 20 de novembro, é um momento não só de celebração, mas de luta e reflexão. Uma oportunidade de aprofundar nosso entendimento sobre as questões raciais no Brasil e renovar nosso compromisso com a luta antirracista.

A busca por justiça racial está intrinsecamente ligada à missão de combater desigualdades. Não podemos falar de um Brasil justo e igualitário sem abordar o racismo estrutural que permeia nossa sociedade e afeta profundamente a vida da população negra em múltiplas dimensões.

A seguir, saiba como surgiu esse mês de celebração da cultura e resistência negra, e sua importância para o combate ao racismo.

As raízes do Novembro Negro

O Novembro Negro nasceu na luta e resistência do povo negro brasileiro. O Dia da Consciência Negra homenageia Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência contra a escravidão, morto em 20 de novembro de 1695. 

A ideia de celebrar o Dia da Consciência Negra surgiu no início da década de 1970 e proposta pelo Grupo Palmares, associação que reunia pesquisadores e ativistas negros de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Em 1978, a data também foi adotada pelo Movimento Negro Unificado e, aos poucos, ganhou reconhecimento em diferentes esferas da sociedade brasileira.

A partir de um forte engajamento advindo da luta do movimento negro por todo país, diversas cidades e estados começaram a instituir o 20 de novembro como feriado ou data comemorativa ao longo dos anos 1990 e 2000.

Em 2003, a Lei Federal 10.639 incluiu no calendário escolar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no Brasil. Oito anos depois a data foi institucionalizada por meio da Lei 12.519 de 2011. 

Em 2024, o Brasil celebrou pela primeira vez o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra como feriado nacional. Isso graças à Lei 14.759, aprovada em novembro de 2023 e sancionada no mês seguinte.

Zumbi dos Palmares: um símbolo de Resistência e Liberdade

A história do Brasil colonial é marcada por capítulos de opressão e resistência, e nenhuma figura personifica essa luta pela liberdade de forma tão emblemática quanto Zumbi dos Palmares. 

Nascido por volta de 1655 no Quilombo dos Palmares, na região que hoje corresponde ao estado de Alagoas, Zumbi emergiu como um líder revolucionário cuja vida e legado continuam a inspirar movimentos de justiça social.

A trajetória de Zumbi é singular e repleta de reviravoltas. Capturado ainda criança e entregue a um padre português, Francisco – seu nome de batismo – recebeu educação formal e foi introduzido à cultura europeia. No entanto, aos 15 anos, o chamado de suas raízes e o anseio pela liberdade o levaram de volta a Palmares, onde adotou o nome Zumbi e começou sua ascensão como líder militar e político.

Sob sua liderança, o Quilombo dos Palmares, tornou-se um símbolo de resistência contra o sistema escravocrata. No auge de sua existência, abrigava cerca de 30.000 pessoas, constituindo uma sociedade alternativa que desafiava a ordem colonial. A habilidade estratégica de Zumbi e sua maestria em táticas de guerrilha permitiram que Palmares resistisse a inúmeros ataques, frustrando as tentativas das autoridades coloniais de subjugar o quilombo.

A liderança de Zumbi foi marcada por uma incansável busca pela liberdade plena. Ele rejeitou acordos que não garantissem a completa emancipação dos habitantes de Palmares, demonstrando um compromisso inabalável com os ideais de liberdade e autodeterminação. Esta postura solidificou sua posição como um líder visionário e um símbolo de resistência.

Contudo, a história de Palmares e de Zumbi é também uma narrativa de tragédia e sacrifício. Em 1694, após uma intensa campanha militar liderada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, o quilombo foi finalmente destruído. Zumbi conseguiu escapar, mas sua liberdade foi efêmera. Traído e capturado um ano depois, foi executado em 20 de novembro de 1695. As autoridades coloniais, em um ato de brutalidade simbólica, expuseram sua cabeça em praça pública, numa tentativa de desencorajar futuras rebeliões.

A morte de Zumbi solidificou sua posição como um mártir da luta pela liberdade. Nos séculos seguintes, sua história transcendeu as fronteiras do tempo, inspirando gerações de ativistas e pensadores. 

Em 1995, 300 anos após sua morte, Zumbi foi oficialmente reconhecido como herói nacional brasileiro, um gesto que simboliza o reconhecimento tardio, mas significativo, de sua importância histórica.

O impacto cultural de Zumbi dos Palmares é imensurável. Sua vida e luta inspiraram uma miríade de expressões artísticas, desde a literatura até a música, passando pelo teatro e artes visuais. Mais importante ainda, a data de sua morte, 20 de novembro, institui o Dia da Consciência Negra, um momento anual de reflexão sobre a luta contra o racismo e a desigualdade racial no Brasil.

A história de Zumbi dos Palmares é, portanto, muito mais do que uma narrativa individual de heroísmo. Ela representa a resistência coletiva contra a opressão, a luta pela dignidade humana e o anseio universal pela liberdade. Sua trajetória transcende a narrativa individual de heroísmo, simbolizando a resistência coletiva contra a opressão e a luta pela dignidade humana e liberdade. Em um Brasil ainda marcado por profundas desigualdades raciais e relutante em reparar as injustiças históricas, seu legado continua a ser uma fonte de inspiração e um chamado à ação.

Zumbi nos lembra que a luta pela liberdade e igualdade é contínua, e que cada geração tem a responsabilidade de carregar adiante a luta por justiça social.

Desigualdade Racial em Números

Para compreender a importância do Novembro Negro, é fundamental olhar para estatísticas que revelam a profunda desigualdade racial em nosso país:

  • Em 2021, segundo o Banco Mundial, a pobreza atingia 18,6% dos brancos, contra 34,5% dos pretos e 38,4% dos pardos, praticamente o dobro.
  • A taxa de desocupação em 2021 foi de 11,3% para brancos, 16,5% para pretos e 16,2% para pardos. A subutilização atingiu 22,5%, 32,0% e 33,4%, respectivamente.
  • Pessoas pretas e pardas têm rendimento médio mensal 40% menor do que pessoas brancas.
  • No trabalho informal, 32,7% dos ocupados são brancos, enquanto esse índice é de 43,4% entre pretos e 47% entre pardos.
  • A população ocupada, preta ou parda, está presente apenas em 29,5% dos cargos gerenciais ocupados em 2021
  • Entre 2022 e 2023, a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos,7,1%, foi mais que o dobro da observada entre brancos, 3,2%.

Os dados apresentados são do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do IBGE. Estes números não são meras estatísticas; eles representam vidas, sonhos e potenciais limitados por um sistema que perpetua desigualdades históricas.

Interseccionalidade: raça, gênero e meio ambiente

Em toda reflexão social e política, as questões raciais não podem ser analisadas isoladamente. A interseccionalidade entre raça, gênero e meio ambiente é um aspecto considerado em nossa abordagem.

As mulheres negras, por exemplo, enfrentam uma dupla discriminação. Elas são as mais afetadas pela fome, desemprego, pela informalidade e pelos baixos salários. Além disso, são as principais vítimas da violência doméstica e do feminicídio.

No contexto ambiental, comunidades negras e periféricas são desproporcionalmente afetadas por problemas como falta de saneamento básico, poluição e desastres ambientais. O conceito de racismo ambiental evidencia como as políticas de planejamento urbano e ambiental frequentemente negligenciam essas populações.

Políticas públicas e ação afirmativa

O Novembro Negro nos lembra da importância das políticas públicas no combate ao racismo e na promoção da igualdade racial. Ações afirmativas, como as cotas raciais nas universidades e em concursos públicos, têm se mostrado ferramentas poderosas para começar a reverter séculos de exclusão.

A educação é fundamental na desconstrução do racismo. A Lei 10.639/2003 determina a valorização da história e cultura afro-brasileira nas escolas, enquanto a Lei de Cotas (12.711/2012) garante acesso ao ensino superior para pessoas negras, reservando 50% das vagas em instituições federais para estudantes de escolas públicas, com subcotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência.

A promoção de políticas públicas afirmativas é um esforço de conscientização e educação antirracista em todos os níveis da sociedade. No entanto, ainda há muito a ser feito. É necessário ampliar e fortalecer essas políticas, garantindo que elas alcancem todas as esferas da sociedade, desde a educação básica até o mercado de trabalho, passando pela representatividade política e cultural.

Desafios e perspectivas

Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, os desafios permanecem enormes. O racismo estrutural continua profundamente enraizado em nossa sociedade, manifestando-se de formas sutis e explícitas. 

No entanto, vemos também sinais de esperança. O crescimento do movimento negro, a maior visibilidade de lideranças negras em diversos setores, maior representação político e o aumento da consciência racial na sociedade como um todo são indicativos de que estamos no caminho.

O Novembro Negro não pode ser apenas um mês de reflexão; deve ser um catalisador para ações concretas ao longo de todo o ano. Convidamos todos a se juntarem a nós nessa luta:

  • Eduque-se continuamente sobre questões raciais.
  • Apoie organizações e iniciativas que combatam o racismo.
  • Participe de movimentos e iniciativas antirracistas.
  • Cobre de seus representantes políticos ações efetivas pela igualdade racial.
  • Reflita sobre seus próprios privilégios e preconceitos.

Um futuro verdadeiramente justo e igualitário só será possível quando enfrentarmos e superarmos o racismo em todas as suas formas. O Novembro Negro é um lembrete de nossa responsabilidade coletiva nessa luta.

Juntos, podemos e devemos fazer a diferença. 

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