Reação da Oxfam Brasil à primeira carta da presidência da COP30

11/03/25

A Oxfam Brasil reconhece a força simbólica e o tom inspirador da primeira carta do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago. A narrativa de reconstrução coletiva, cooperação e esperança é potente e necessária diante da gravidade da crise climática que enfrentamos. No entanto, é fundamental ir além do simbolismo. A urgência climática requer compromissos concretos, especialmente no que diz respeito à justiça climática, com foco nas populações e territórios historicamente vulnerabilizados.

Embora a carta mencione termos como “desigualdades”, “transição justa” e a relevância das comunidades, persistem lacunas preocupantes sobre como a presidência da COP30 garantirá o protagonismo político, técnico e epistêmico das populações mais impactadas pela crise climática, incluindo comunidades negras, indígenas, mulheres, juventudes e moradores de territórios periféricos e rurais frequentemente negligenciados.

A seguir, destacamos pontos fundamentais que devem ser considerados para que a COP30 se consolide como um marco global de justiça climática:

1. Justiça Climática Interseccional: compromisso ainda insuficiente

A presidência da COP30 precisa assumir compromissos claros com uma agenda de justiça climática que enfrente desigualdades estruturais de forma interseccional, considerando dimensões de raça, gênero, classe e território. A ausência de menções explícitas ao racismo ambiental e ao protagonismo da comunidade negra é uma omissão que precisa ser corrigida com urgência.

2. Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais: inclusão ainda limitada

A proposta do “Círculo de Lideranças Indígenas” é um passo positivo, mas insuficiente diante da histórica demanda por uma copresidência indígena, já reivindicada publicamente por lideranças originárias. A participação dessas comunidades deve ser vinculante, com recursos garantidos, e não apenas consultiva.

3. Financiamento Climático: boas intenções, riscos concretos

A meta de mobilizar US$ 1,3 trilhão anualmente até 2035 é ambiciosa, mas é essencial evitar que esses recursos sejam capturados por grandes atores financeiros. É imprescindível garantir acesso direto e desburocratizado a organizações de base, coletivos periféricos, mulheres negras, juventudes e populações tradicionais.

4. Deslocamento Climático e Perdas e Danos: um silêncio preocupante

A carta menciona “loss and damage”, mas ignora completamente o deslocamento climático e a necessidade de reconhecer refugiados e deslocados ambientais como sujeitos de direitos. Diante da intensificação dos eventos extremos no Brasil, essa omissão é grave. O tema deve ser tratado como prioridade transversal, com políticas de proteção social, moradia, reparações e marcos regulatórios adequados.

5. Global Ethical Stocktake: oportunidade para pluralidade de saberes

A proposta de um “Balanço Ético Global” é inovadora e pode abrir espaço para uma abordagem pluriepistêmica, integrando ciência, espiritualidade, saberes populares e filosofia comunitária. Para que seja efetiva, é essencial garantir a participação de mulheres negras, quilombolas, indígenas, ribeirinhas e lideranças comunitárias na construção metodológica desse processo.

6. Sociedade Civil: uma ausência notável

A carta falha ao não reconhecer explicitamente o papel estratégico da sociedade civil organizada. Movimentos sociais, redes de justiça climática e grupos de enfrentamento ao racismo ambiental devem ser reconhecidos como atores centrais, com assento formal e poder deliberativo nos processos de planejamento, implementação e monitoramento da COP30, especialmente em temas como NDCs, transição energética e adaptação.

A Oxfam Brasil reitera seu compromisso com a construção de uma COP30 histórica, justa, inclusiva e transformadora — com centralidade e ampliação das vozes dos territórios e povos que há décadas sustentam a vida, resistem e propõem soluções concretas para as pessoas e o planeta.

Justiça climática só é possível com justiça social, racial e de gênero. Isso exige ação, compromisso político e redistribuição de poder.

Notas para editores

Carta Completa do Presidente da COP

Posicionamento da APIB sobre a Participação Indígena na COP

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