No último dia 18 de agosto, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, determinou a suspensão da Moratória da Soja, sob a alegação de investigação de prática anticompetitiva, a partir de duas denúncias feitas ao órgão – uma delas feita em dezembro de 2024, pela Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja – MT) e a segunda, feita pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), feita em fevereiro de 2025.
O que é?
A Moratória da Soja, firmada pela primeira vez em 2006, foi o primeiro acordo privado e voluntário de desmatamento zero implementado nos trópicos, firmado entre sociedade civil, tradings do setor e que, mais tarde, passou a contar com o apoio também do governo brasileiro
Sob o acordo, as empresas signatárias da Moratória da Soja se comprometem a não comercializar, adquirir e financiar soja oriunda de áreas desmatadas dentro do Bioma Amazônia desde julho de 2008, de áreas que constem na lista de áreas embargadas por desmatamento do IBAMA e de fornecedores inseridos na lista de trabalho análogo ao escravo. Além disso, as empresas signatárias da Moratória da Soja que comercializam o produto no bioma Amazônia devem possuir um sistema de gestão e monitoramento de suas cadeias produtivas.
Este ano, o pacto completou 19 anos de existência, sinalizando não apenas sua eficácia, mas também o reconhecimento, por parte de empresas e da sociedade civil, da importância de mecanismos voluntários para a conservação ambiental.
Contudo, nos últimos meses, o instrumento tem sido alvo de ofensivas coordenadas, apoiadas pelo lobby do agronegócio, que buscam abolir os benefícios concedidos às empresas no âmbito da Moratória, alegando que o instrumento “impede a expansão das atividades agrícolas”.
A Oxfam Brasil manifesta preocupação com a decisão do Cade. Desde sua implementação, estima-se que a iniciativa protegeu 18 mil quilômetros quadrados da Amazônia. Esse resultado concreto evidencia o potencial de compromissos voluntários, quando há monitoramento robusto e adesão efetiva dos principais atores do mercado.
Além disso, nestes anos de vigência, o acordo também se revelou um trunfo comercial para o setor, propiciando às empresas melhores condições de mercado para a exportação da soja brasileira frente às exigências dos mercados e legislações internacionais para transparência e sustentabilidade em cadeias produtivas.
Para o governo brasileiro, o pacto também teve um papel fundamental para demonstrar seus compromissos com as metas internacionais de redução de desmatamento, especialmente na Amazônia.
Além disso, todas as informações sobre a Moratória são públicas, divulgadas em relatórios anuais pelas empresas, sociedade civil e organizações que desempenham papéis de auditoria para o monitorar o cumprimento do acordo, o que confere certo grau de transparência. A Moratória não envolve práticas de fixação de preços ou barreiras comerciais.
O que acontece agora?
A preventiva imposta pela Superintendência Geral será analisada, agora, pelo Tribunal do Cade, após o sorteio de um relator. Não há prazo para que isso ocorra. Por enquanto, segundo a decisão publicada na última segunda-feira (18), as empresas signatárias do acordo terão 10 dias para tomarem providências e saírem do acordo e retirarem quaisquer informações relacionadas à Moratória da Soja de seus canais
institucionais. Caso haja descumprimento da preventiva, o Cade poderá impor uma multa diária de até R$ 250 mil às signatárias do acordo.
Ponto de atenção para a Oxfam Brasil
Reconhecemos que a Moratória tem limitações, relacionadas aos custos de oportunidade para os produtores, à sua restrição a apenas uma cadeia produtiva, à pressão sob o Cerrado e aos efeitos indiretos sobre o uso da terra. Entretanto, defendemos que esses seguem sendo temas importantes no debate e devem ser tratados como pontos a serem aprimorados, incluindo a necessidade de políticas públicas complementares para alcançar o desmatamento zero em toda a Amazônia.
Outra limitação da Moratória da Soja é que esta abrange apenas a cadeia da soja no bioma amazônico, ignorando outras culturas como milho e algodão e outros biomas como o cerrado e a caatinga. “Contudo, isso não pode ser usado para enfraquecer esta ferramenta de preservação ou motivo para descontinuá-la, mas sim para seu fortalecimento e aperfeiçoamento, com a perspectiva de expansão para as demais culturas e biomas.”, ressalta Viviana Santiago.
É justamente ao reconhecer essas limitações (i.e., como os riscos de vazamento, os efeitos indiretos sobre o uso da terra e as desigualdades entre cadeias produtivas) que se abrem caminhos para aprimorar os mecanismos de monitoramento, ampliar o escopo para outras culturas e biomas e integrar políticas públicas que reduzam de forma mais abrangente o desmatamento.