Plano Safra 2025-26: Governo aponta para sustentabilidade, mas deixa trabalhadores rurais de fora

11/07/25

O Plano Safra 2025-2026, apresentado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária na última segunda (30) e terça-feira (01) em Brasília, é o maior da história. Criado em 2003, o programa do governo federal funciona como um pacote de apoio ao agronegócio, que oferece crédito com juros subsidiados, seguro rural e assistência técnica para produtores de todos os portes.

Nesse ciclo, o Plano deve destinar o volume recorde de R$ 516,2 bilhões à agricultura empresarial e R$ 89 bilhões em recursos para a agricultura familiar. Do total do valor para a agricultura familiar, R$ 78,2 bilhões serão destinados ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).

O Plano Safra é a principal política de crédito para produção rural no Brasil.

Agricultura Familiar

Apesar dos R$ 89 bilhões destinados à agricultura familiar, a cifra ainda está muito aquém do valor destinado às iniciativas da agricultura empresarial. O valor destinado ao empresariado do setor é 82,75% superior. É preciso questionar o que essa diferença de valores revela: quem o Estado escolhe priorizar em sua política agrícola?’.

E, ainda assim, recentemente, um levantamento do World Resources Institute revelou que, nos últimos 30 anos, quase 65% da linha de crédito destinada ao Pronaf – ou seja, à agricultura familiar – foi destinada à pecuária. No ano da COP30, cabe destacar que é fundamental que os recursos destinados ao Pronaf estejam alinhados a uma agenda de sustentabilidade de verdade. Seguir priorizando – ainda que indiretamente – práticas intensivas em emissão de gases de efeito estufa, como a pecuária, vai na contramão da transição climática que o Brasil tem defendido internacionalmente.

Portanto, a destinação deste volume à agricultura familiar não garante que os recursos cheguem a quem, de fato, precisa. Dentre as barreiras à destinação desses recursos estão a baixa capacitação técnica de operadores de crédito, e a falta de políticas para facilitação do acesso à burocracia necessária para obtenção dos recursos.

Em matéria publicada pela Repórter Brasil nesta semana, Fernando Moretti, da Conexsus (Instituto Conexões Sustentáveis), aponta que uma das principais barreiras que muitas famílias encontram é não terem o CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar), necessário para acessar o Pronaf e outras políticas públicas de incentivo à produção.

Para superar estes desafios, é preciso investir em capacidade técnica aos bancos que operam as linhas de crédito, e na difusão da informação sobre o acesso ao crédito para famílias do campo.

A agricultura familiar é a base da segurança alimentar do país, mas continua sendo tratada como periférica na distribuição de recursos públicos. Isso aprofunda desigualdades estruturais e compromete a construção de uma transição climática justa.

Fomento à agroecologia

No novo ciclo do programa, novas linhas de crédito a agroecologia foram apresentadas.

O Plano Safra passa a oferecer crédito de até R$ 20 mil para agroecologia, com juros de 0,5% ao ano e bônus de adimplência de 40% (desconto nas parcelas pagas dentro do prazo), além de recursos para implementação de Quintais Produtivos para Mulheres Rurais, com condições semelhantes. 

Além disso, na ocasião do lançamento do Plano Safra 2025-26, também foi instituído o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que deve reunir ferramentas de pesquisa, informação, monitoramento de resíduos, além de assistência técnica para reduzir o uso de agrotóxicos e ampliar a produção sustentável de alimentos saudáveis pela agricultura familiar. 

O Pronara constitui-se como uma das principais estratégias do Brasil para a transição agroecológica, sendo articulado no âmbito do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). Contudo, ainda faltam mecanismos robustos para garantir orçamento, acompanhamento e controle social da sua implementação, especialmente com a participação ativa de movimentos do campo e da agroecologia.

O Plano Safra aponta para sustentabilidade, mas deixa os trabalhadores rurais de fora

No ciclo de 2025-26 do Plano Safra, o governo avançou nos critérios de fomento às atividades que empreguem práticas sustentáveis. Mas, nenhuma menção foi feita à incentivos para a promoção do trabalho decente no campo durante o lançamento do programa na última semana.

A lacuna em relação às questões trabalhistas no campo não é uma novidade no Plano Safra. O Plano inclui, em suas diversas modalidades de crédito, o financiamento de toda a infraestrutura dentro das fazendas: silos, armazéns, maquinários, frotas de veículos câmaras frias e até a moradia dos produtores.

Contudo, historicamente, o programa não tem apresentado propostas concretas para financiamento da infraestrutura necessária para que fazendas garantam condições dignas de trabalho, como construção e reforma de alojamentos, moradias, refeitórios, instalações sanitárias, áreas de vivências, transportes de trabalhadores, entre outros. Essa omissão é estrutural. De modo que, o crédito rural continua sustenta um modelo produtivo que vê a terra e os lucros, mas não enxerga as pessoas que produzem.

A construção de uma infraestrutura adequada impacta diretamente na saúde, segurança e dignidade de quem vive do trabalho rural. Como destaca Gabriel Bezerra Santos, presidente da CONTAR, “a infraestrutura de transporte, moradia e instalações sanitárias é fundamental para assegurar melhores condições de trabalho e evitar situações de vulnerabilidade.”

Sem incluir o trabalho decente como critério para acesso ao crédito, seguimos normalizando o desrespeito à dignidade de milhares de trabalhadores e trabalhadoras do campo.

Além disso, mesmo em matéria de sustentabilidade, o programa teria o potencial de ir além. Uma das grandes lacunas que persistem é o fato de que o crédito rural ainda permite o financiamento de imóveis com infrações ambientais e não exige rastreabilidade da cadeia produtiva como condição para obtenção do benefício.

O Plano Safra perde a oportunidade de realizar seu real potencial como política pública para desenvolvimento sustentável no Brasil e ainda está distante de ser um instrumento de justiça climática, rural e social. Sustentabilidade não pode ser apenas um adjetivo técnico, precisa vir acompanhado de redistribuição de poder, recursos e dignidade para quem constrói, com as mãos, a soberania alimentar do Brasil.

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