A aprovação, em regime de urgência e dois turnos no mesmo dia, da PEC do Marco Temporal pelo Senado vai muito além de um ato legislativo apressado: é uma perversa mensagem política. Uma declaração clara de que, para uma parcela do Congresso, os direitos originários são negociáveis, podendo ser submetidos a uma data arbitrária que ignora séculos de violência, expulsões e apagamento forçado.
A reação imediata e contundente das organizações indígenas, e das organizações com atuação na agenda climática ambiental e de defesa de direitos, sobretudo as que atuam na Amazônia, é mais do que justificada. A PEC busca reescrever a Constituição de 1988 para atender a interesses que historicamente concentram terra, poder e promovem destruição. Ela desfigura o princípio constitucional que reconhece os direitos territoriais indígenas como originários, anteriores ao próprio Estado, à República e a qualquer marco temporal que agora tentam impor.
A tramitação acelerada, realizada sem consulta livre, prévia e informada (direito garantido pela Convenção 169 da OIT), aprofunda a crise democrática e inflama os conflitos fundiários. O cenário que se abre é de mais violência, invasões, desmatamento e vulnerabilidade para comunidades já sob constante ameaça. Tudo isso num momento em que o Brasil deveria liderar, globalmente, os compromissos com justiça climática, logo após uma COP que celebra a proteção dos povos indígenas e das florestas.
Como destacam as organizações indígenas, a PEC não é neutra. Ela beneficia diretamente quem lucra com a grilagem, com a mineração ilegal, com a expansão predatória do agronegócio. É uma tentativa de legalizar o injusto, normalizar o inconstitucional e transformar violações históricas em política de Estado.
A Oxfam Brasil soma-se ao repúdio das lideranças indígenas e reforça: qualquer projeto de nação justa, democrática e comprometida com o clima precisa começar pelo reconhecimento pleno dos direitos territoriais dos povos originários. Sem isso, não há presente ou futuro que se sustente.
Agora, o foco desloca-se para a Câmara dos Deputados. É ali que a sociedade civil, as organizações indígenas e todos que defendem a Constituição deverão atuar com mais força e determinação.
Porque defender os territórios indígenas não se resume a garantir um direito: é defender o Brasil que existe, e o Brasil que ainda podemos ser.