A Semana de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGA) é um dos principais fóruns globais para discussão de paz, direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Em setembro de 2025, líderes mundiais, sociedade civil e especialistas reuniram-se em Nova York para debater os caminhos para um futuro mais justo.
A Oxfam Brasil marcou presença nesse cenário por meio de sua diretora executiva, Viviana Santiago, que levou perspectivas feministas, antirracistas e decoloniais para painéis sobre a governança global do G20, a agenda de reparações e a defesa da democracia.
Em três eventos distintos, Viviana articulou a urgência de se enfrentarem as desigualdades estruturais, colocando no centro do debate as vozes historicamente silenciadas: mulheres negras, povos indígenas, comunidades periféricas e a juventude negra.
“Não é possível considerar que está concluído um projeto democrático quando as elites econômicas exercem sua influência, se misturam com o poder político, produzem desigualdade e nos empurram para um estado de necropolítica”, afirmou.
Sociedade Civil no G20 – Do Simbólico à Mudança Estrutural
No evento “G20 by 20: Strengthening Civil Society’s Advancement of Progressive Multilateralism“, coorganizado pela Oxfam Brasil e Oxfam África do Sul, o debate centrou-se no papel da sociedade civil na influência sobre as decisões do G20 sob a liderança brasileira.
Viviana destacou que, embora a advocacia feminista e por justiça social tenha ganhado espaço, avançando em temas como igualdade de gênero e proteção social, muitas conquistas ainda são simbólicas.
“De uma perspectiva decolonial e antirracista, há uma tensão entre avançar a equidade global e reproduzir padrões de exclusão. A sociedade civil pressiona por discussões mais inclusivas, mas, sem mudança estrutural, a inclusão corre o risco de permanecer simbólica”, analisou.
Ela defendeu que as estratégias feministas e interseccionais precisam passar de reativas a proativas, moldando as agendas do G20 desde sua concepção. “Isso exige participação estratégica, antecipada e inclusiva, com dados e evidências que centralizem a justiça de gênero, racial e social”, explicou, citando a força das coalizões brasileiras como exemplo.
Justiça Reparatórias – Das Palavras às Políticas Públicas
No Colloquium On Diaspora Engagement Dialogue on The Reparations Agenda, evento paralelo organizado pela União Africana, Viviana compartilhou o palco com representantes de governos e da sociedade civil para discutir a justiça reparatória como pilar da reforma global.
Ao se apresentar como uma mulher negra, mãe solo, professora e sobrevivente em um país onde um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos, ela enraizou a discussão na realidade brasileira. “Nossos corpos são controlados desde o ventre, e então, quando chegamos à vida adulta, o acesso ao emprego, à educação e às oportunidades nos é tirado. O que me define é a capacidade de resistir”.
Ela celebrou o recente reconhecimento oficial do Estado brasileiro sobre sua responsabilidade na escravidão, mas alertou para a negação social do racismo e suas consequências estruturais. “A justiça reparatória não é uma demanda abstrata. Está enraizada nas lutas diárias dos movimentos negros, especialmente das mulheres negras, que articulam justiça racial, de gênero e econômica”.
Viviana citou o apoio da Oxfam Brasil à Marcha das Mulheres Negras e a campanha por uma reforma tributária antirracista, tema do relatório ”Arqueologia da Regressividade Tributária”, que demonstra como o sistema tributário aprofunda desigualdades raciais. “Iniciativas como a ADPF-165, que questiona o Banco do Brasil sobre lucros históricos extraídos da escravidão, mostram que a justiça reparatória pode se tornar política pública concreta”, afirmou, posicionando o Brasil como uma referência prática para o Sul Global.
Democracia Sempre – Em Defesa de um Projeto de Vida
No evento especial “Democracia Siempre”, em homenagem ao ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, Viviana defendeu uma democracia que vá além do voto. “A democracia no Brasil é uma conquista, mas é inacabada. É uma democracia em construção”, disse.
Ela relacionou diretamente a qualidade da democracia com o combate ao racismo estrutural, ao patriarcado, à LGBTQIAfobia e ao capacitismo. “Quem tem fome, quem vive na periferia, quem sofre violência nas mãos da polícia não tem condições de exercer cidadania plena”.
A justiça tributária foi apontada como central: “Uma democracia sem justiça tributária é uma democracia inacabada. Enquanto 80% dos super-ricos no Brasil são homens brancos, as mulheres negras, que chefiam 65% dos lares mais pobres, pagam mais impostos que um bilionário”. A crise climática também foi abordada como uma questão democrática: “Sabemos quem são os principais responsáveis pela degradação ambiental e quem são as principais vítimas: comunidades negras, indígenas, quilombolas”.
Viviana encerrou sua fala com um apelo pessoal e político: “Se a colonialidade e forças autoritárias se beneficiaram de projetos de morte, nossa aposta democrática é um projeto de vida. Meu filho tem 20 anos. Na defesa da democracia, da tributação justa e da reparação histórica, eu luto para que ele possa viver mais”.
Legado e Próximos Passos
A participação de Viviana Santiago na UNGA reforçou o compromisso da Oxfam Brasil em incidir sobre as agendas globais, trazendo para o centro do debate a perspectiva de que não há justiça climática, fiscal ou democrática sem justiça racial e de gênero.
As discussões contribuíram para a construção de uma coalizão internacional em defesa de um multilateralismo mais inclusivo e reparador, com prioridades claras para 2026 e além: reduzir desigualdades, avançar na justiça climática e promover sistemas de proteção social inclusivos, sempre guiados por princípios feministas, antirracistas e decoloniais.