A luta histórica do movimento negro brasileiro por justiça não se limita ao combate direto ao racismo em suas manifestações mais evidentes. Ela também passa, de forma cada vez mais estruturada e estratégica, pela incidência sobre as engrenagens invisíveis do Estado — entre elas, o sistema tributário. É nesse contexto que celebramos uma conquista simbólica e política que carrega um potencial transformador: o Projeto de Lei nº 3375/2025, de autoria da Deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ), que propõe a inclusão do campo de autodeclaração racial na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF).
A proposta, que conta com o firme apoio da Oxfam Brasil, do Instituto Peregum e de dezenas de organizações negras, é resultado de uma intensa articulação do movimento negro brasileiro com o campo da justiça fiscal. Trata-se de uma demanda simples e ao mesmo tempo poderosa: permitir que o Estado brasileiro enxergue, com nitidez, os marcadores raciais que estruturam as desigualdades de renda e de tributação no país.
Hoje, o Brasil cobra mais de quem tem menos e cobra menos de quem tem mais. Essa lógica regressiva, escancarada na publicação Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil, da Oxfam Brasil, reproduz e aprofunda desigualdades históricas herdadas de um passado escravocrata e colonial. A elite econômica brasileira, que concentra cerca de 14% da renda nacional entre os 0,15% mais ricos da população, é majoritariamente branca e masculina. Já a população negra, sobretudo as mulheres negras, segue pagando proporcionalmente mais impostos, ao mesmo tempo em que tem menos acesso aos benefícios do Estado.
E o Estado, por sua vez, segue atuando sem visibilidade sobre a dimensão racial das desigualdades. Sem dados raciais associados à declaração de imposto de renda, é impossível avaliar com precisão os efeitos das políticas tributárias sobre diferentes grupos da população. Não se pode corrigir o que não se vê. Por isso, defender a autodeclaração racial no IRPF é, acima de tudo, defender o direito à verdade — uma verdade que permita revelar e enfrentar a arquitetura do racismo institucional no Brasil.
Esse é um passo essencial para o Brasil cumprir, de fato, os princípios constitucionais da justiça fiscal e da equidade. E mais: é um passo que fortalece a democracia, ao permitir que políticas públicas sejam avaliadas e aprimoradas com base em evidências.
A luta pela inclusão da variável racial no Imposto de Renda não é apenas uma luta por mais um dado. É uma luta por dignidade, reconhecimento e reparação. É mais uma expressão de um movimento negro que, ao longo de décadas, tem ampliado as fronteiras da democracia brasileira.
A Oxfam Brasil, organização aliada da luta antirracista, segue comprometida em caminhar ao lado do movimento negro para que o sistema tributário brasileiro deixe de reproduzir privilégios históricos e passe a ser instrumento de justiça, igualdade e reparação.